Sentença: Direito ao Afeto

25 | 06 | 2004
Assessoria de Comunicação Toledo Prudente
Assessoria de Comunicação Toledo Prudente

Sentença inédita conquista o “Direito ao Afeto”

Professora do Centro de Pós-Graduação da Toledo/PP, Giselda Hironaka comemorou, como Diretora Nacional da Região Sudeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a vitória de Alexandre Batista Fortes, em ação inédita, na Justiça de Minas Gerais, por meio da qual ele pleiteou indenização por abandono paterno de caráter afetivo.
O advogado de Alexandre e presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira, citou, em suas peças processuais, e entre tantos outros, textos de autoria da professora Giselda Hironaka que defende a idéia de que existe um direito ao pai que está muito além e acima do simples direito de cada filho ser simplesmente “alimentado” por seu pai.
O caso, que já teve destaque no programa “Mais Você” de Ana Maria Braga, na TV Globo, no dia 16 de junho, é considerado por Giselda Hironaka como uma conquista deste propalado direito ao pai.

A professora Giselda emociona-se sempre ao procurar esclarecer, juridicamente, do que é que se fala, quando se diz afetividade nas relações de família: “A conquista de um novo direito de família matizado pela afetividade é o projeto maior que o IBDFAM vem realizando, para que a relação familiar, mormente a relação paterno-filial – sem deixar de ser jurídica – se distinga das demais relações jurídicas pelo fato de que ela, e apenas ela, pode efetivamente estar impregnada e caracterizada pelas tonalidades do afeto. O que se viu, no anterior tempo e à luz do anterior modo de se ‘dizer o direito’, foi que na esfera da relação entre pai e filho, o que efetivamente importava era a sua caracterização biologizada e a sua caracterização patrimonializada. Quer dizer, sem se preocupar com a linha da afetividade, o direito e a jurisprudência se preocuparam mais em dar, ao filho, o seu reconhecimento consangüíneo (caráter biologizado da relação), o seu direito a alimentos e a sua possibilidade futura de herdar (caráter patrimonializado da relação). Mas fica a pergunta: isso é tudo? A relação paterno-filial basta-se apenas nestes dados de visualização material perfeita? Ou dito de outro modo: ser pai é “dar o nome” e pagar alimentos? Quem de nós teve mais que isso, quem de nós foi efetivamente amado, querido, apreciado por seu pai, e se fez grande e melhor justamente por causa disso, certamente sabe do que se está falando.”
Segundo Giselda, Alexandre não foi a juízo pedir indenização pela ausência paterna, falta do amor e da atenção paternos, situações essas que na verdade estão atavicamente impregnadas em cada um de nós. Nem está preocupado com o “valor do amor” (como de modo insistente e desarrazoado têm contra-argumentado os opositores da afetividade na relação paterno-filial). Analisando a questão em si, a professora diz que “Alexandre queria ter sido ‘moldado’ como ser humano, e desde a sua infância, também pelo viés paterno, pois este foi o paradigma que lhe faltou. Não pensou na convivência diária e forçada com o pai que não queria sua companhia. Não pensou em ter, por bem ou por mal, a carícia e o colo paternos. Mas pensou em ter sido posto a aprender a vida – e os valores que dela decorrem – por seu pai… E pensou em ter tido a presença de um pai a quem pudesse dizer a poesia que decorou e apresentou na festa escolar do dia dos pais, a cada ano que passou… Foi isso que Alexandre quis. Como qualquer um de nós quer, afinal. Mas foi isso que o seu pai lhe sonegou”.
A ação estipula que a indenização do pai ao filho seja de 200 salários mínimos, cerca de R$ 52 mil. “Se esse é o preço do amor, devo dizer que é um preço muito barato”, diz ela, “porque o amor não tem preço. O que foi objeto da condenação, conforme consta do acórdão – e isso é de grande importância compreender – foi o reflexo do desamor na vida pessoal e na estrutura psicológica de Alexandre. Quem viu o rapaz, pela TV, ou quem o conhece pessoalmente, nota que ele sofre francamente pela falta da presença paterna no seu desenvolvimento como pessoa humana, especialmente em momentos de alta significação – como sua formatura no 2º grau – nos quais cada um de nós, como filhos, teríamos querido demonstrar que havíamos vencido”.
O que, afinal, é este direito ao pai, visto assim por este viés tão ancestral quanto a vida na terra, e que os Tribunais agora tendem a reconhecer como o dado – juridicamente relevante – da afetividade na relação entre pais e filhos? A professora Giselda procura responder: “…por direito ao pai deve-se entender o direito atribuível a alguém de conhecer, conviver, amar e ser amado, de ser cuidado, alimentado e instruído, de se colocar em situação de aprender e apreender os valores fundamentais da personalidade e da vida humanas, de ser posto a caminhar e a falar, de ser ensinado a viver, a conviver e a sobreviver, como de resto é o que ocorre – em quase toda a extensão mencionada – com a grande maioria dos animais que compõe a escala biológica que habita e vivifica a face da terra.”…

A professora explica que, sem razão justificável, o pai de Alexandre ‘sonegou’ ao filho, depois de uma certa fase, ainda precoce, de sua vida, “não só a sua presença, como a sua influência e seu afeto”. Esclarece também que “o pai cumpriu, por força de imposição legal, a sua obrigação alimentar, pagando pensão ao filho e atendendo ao aspecto patrimonializado da relação”. Contudo, ela prossegue, “aquilo que a relação paterno-filial tem de mais intrínseco, de mais puro e real, de mais divino – que é a proximidade natural, desejável e saudável entre o homem e sua cria – isso, o Alexandre não teve”.
Para algumas pessoas, é bem certo, basta o amor materno, “que costuma, aliás, a ser imenso e ter a capacidade de se multiplicar. No caso específico desse rapaz, deu-se o vazio do afeto paterno, com importantes reflexos negativos em sua vida”.
Por outro lado, não é possível deixar de pensar que uma decisão inovadora como esta possa também trazer consigo o perigo da banalização do assunto, coisa que a todos fica sempre bem evidente, comenta a professora. “O perigo da banalização da indenização por desamor reside em não se compreender, exatamente, e em cada caso concreto, o verdadeiro significado da noção de ‘abandono afetivo’, o verdadeiro substrato do pedido judicial em questão. Por isso, esta decisão inédita, que tem tudo para exercer a sua função maior que é a de alterar paradigmas na contemporaneidade, bem pode, infelizmente, traçar um percurso nefasto, se mal empregada como decisão pioneira, acarretando a odiosa idéia de se transformar em carro-chefe de uma verdadeira ‘indústria indenizatória do afeto'”. Para que isso não aconteça, Giselda Hironaka diz que é necessária a análise ética das circunstâncias de cada caso, verificando-se a efetiva presença de danos causados ao filho pelo abandono afetivo paterno (ou materno, se for o caso), antes da propositura de tais ações. “Mas o medo da banalização” – conclui a professora Giselda – “certamente não pode se transformar em mais um dos gigantes empecilhos que têm nos cegado na compreensão daquilo que verdadeiramente consideramos como nobre e essencial, contido nessa conquista jurisprudencial tão significativa”.
O pai de Alexandre recorreu da decisão, que será julgada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, em Brasília (DF).

ASSUNTOS
RELACIONADOS