O já tradicional embate entre os poderes legislativo e executivo ganhou novo impulso e relevância quase dramática no atual governo.
No centro da disputa, além de cargos na administração, estão as chamadas emendas orçamentárias, em especial, as emendas impositivas que atribuíram enorme protagonismo ao poder legislativo no modelo de tripartição de poderes, reservando-lhe além da missão de legislar importante papel decisório na definição das ações do governo.
A tensão natural entre executivo e legislativo nesse cenário de compartilhamento de gestão tornou-se ainda mais grave com a criação da esdrúxula figura do "orçamento secreto", que surge da ampliação das chamadas "emendas de relator", identificadas pela sigla "RP-9" no Regimento Interno do Congresso.
Criadas em 2019 e implementadas a partir de 2020, as emendas RP-9 destinavam-se à correção de pequenos equívocos e omissões - ou "gaps" - na lei orçamentária anual. Um recurso para "fechar a conta" e "zerar" pequenas divergências, sempre possíveis de se verificar em razão da natureza "estimativa" do orçamento.
Uma inexplicável distorção levou à ampliação quase infinita do volume de recursos para essas emendas, chegando a inacreditáveis R$ 16,5 bilhões em 2022, com previsão de R$ 19,4 bilhões para o orçamento de 2023, antes da decisão do Supremo Tribunal Federal que julgou inconstitucional o orçamento secreto.
Em termos práticos, as emendas de relator criam, sem previsão orçamentária prévia, programas e ações de governo que deverão ser desde logo executadas pelos órgãos selecionados pelo legislativo. Omite-se, desse modo, o nome do parlamentar, Deputado ou Senador, responsável pela indicação do recurso, permitindo-se ocultar um direcionamento de verbas para membros de um determinado grupo político, o que coloca em xeque o equilíbrio de forças entre os parlamentares das diferentes legendas representadas no Congresso Nacional.
Com a declaração de inconstitucionalidade, instaurou-se uma disputa em torno dos recursos então destinados ao “orçamento secreto”, superada com a promessa do governo atual de destinar parte desse valor às emendas impositivas, individuais e de bancada.
Todavia, critica-se agora o ritmo de liberação dessas verbas com acusações de demora no pagamento das emendas por parte do governo. Tentando contornar o enorme poder político do Presidente Arthur Lira, o governo tem negociado diretamente com os líderes dos partidos de oposição e liberado nos últimos meses grandes volumes de emendas aos parlamentares, incluindo legendas que se declaram oposição ao governo. Evidentemente, parlamentares de outros partidos, inclusive do bloco de apoio ao governo, manifestaram descontentamento com essa decisão e passaram a repetir o discurso de que há erro na articulação política.
Enfim, são peculiaridades do modelo brasileiro de “presidencialismo de coalização”, que leva a uma disputa permanente entre executivo e legislativo na aprovação dos projetos de lei e na implementação dos programas de governo.