Vivemos, nos últimos anos, uma crise não apenas sanitária, mas também política, social e econômica. Mortes, perdas, necessidade de adaptar formas de trabalho, de locomoção, de comunicação e de relação. Experienciamos uma profusão de afetos diante das perdas dos nossos, diante da banalização da morte operada por alguns, diante do negacionismo dirigido à ciência. Sentimos medo, dor e desespero, mas resistimos aqui e ali e, de algum modo, sobrevivemos.
A humanidade não deveria precisar passar por situações tão graves como uma pandemia para aprender e se transformar. O saldo do que vivenciamos, e do que ainda estamos experienciando, é intensamente negativo: aquelas vidas interrompidas não voltarão, e não há como regressar ao passado e mover as estruturas de poder para que as vacinas cheguem aos nossos braços mais cedo, como poderia ter sido. A tragédia, quando banalizada, ganha proporções muitíssimo piores. Alguns assistem de camarote.
Tivemos que lidar com o abismo de um modo inesperado. Não que o inesperado não faça parte de nossas vidas; sim, ele embala toda a nossa trajetória existencial. Todavia, o caos instalado na realidade política-social-econômica brasileira nos últimos anos nos colocou frente a frente com o abismo, num cenário tomado por estilhaços e atravessado por ventos fortes e unidirecionais. Com os pés fincados nas nossas origens, mantemo-nos firmes, demos alguns passos para trás, para o lado e criamos fendas e possibilidade de resistir.
O hoje e o amanhã nos convida a outros horizontes e a outros movimentos. Neles, haverá indubitavelmente desafios e inesperados. Mas agora é tempo de abrir outras rotas, de costurar colaborativamente outros caminhos, de (co)criar outros espaços e encontros, de forjar pontes que possibilitem a efetivação dos direitos de todas as pessoas, de (re)inventar a potência coletiva que (r)existe em nós.
A caminhada é incessante. Que a esperança nos acompanhe. Vamos?